O assunto do momento é o preço dos carros 0 km. O tema é complexo,
envolve a carga absurda de impostos e o tal “Custo Brasil”, outra caixa preta
da qual ainda falaremos. Mas o objetivo deste post é tratar do polêmico lucro
das montadoras, alvo de muitos protestos. Não sou economista, muito menos
defensor de multinacionais. Quero carros melhores e mais baratos para mim e
para todos. Mas algumas reflexões precisam ser feitas, para que os protestos
não se percam pela falta de bons argumentos.
Reportagem de capa desta terça-feira (29/8) do jornal O Globo mostrou estudos que indicam que a
média de lucro das montadoras no Brasil é de 10%, o
dobro da média mundial. Não sei exatamente se a média é essa mesmo, pois a
margem de lucro varia muito de carro para carro. Mas o fato é que 10% me parece
uma margem até razoável.
Explico: qualquer pessoa que fizer uma aplicação no Brasil espera ter
rendimento um pouco acima da taxa Selic, que nesta quarta-feira caiu para 7,5%
ao ano, mas até alguns meses atrás estava na faixa de 12%. Da mesma forma,
qualquer comerciante, empresário ou acionista de grande empresa espera uma
margem de lucro um pouco acima do que o governo federal paga pelo dinheiro (os
tais 7,5% da Selic). Caso contrário, de que serviria investir e correr riscos?
Fabricantes não fazem carros por diversão. Para o investimento no Brasil
valer a pena, a margem de lucro tem de ser superior a 7,5%. Essa é a nota de
corte hoje Nos Estados Unidos, a taxa de juros está na faixa entre 0% e 0,25%
ao ano. Logo, margens de lucro de 5% são muito interessantes para as indústrias
de lá. Por isso é tão complicado comparar margens de lucro entre países com
taxas de juros tão distintas. Outro ponto: marcas multinacionais vão buscar
maiores lucros em mercados em expansão (como Brasil), com demanda maior que a
oferta, e não nos países em recessão, com baixa procura e alta taxa de
desemprego.
Fabricantes
não fazem carros por diversão. Para o investimento no Brasil valer a pena, a
margem de lucro tem de ser superior a 7,5%
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Mais um aspecto. Fabricante, por lei, não pode vender carro, apenas
repassa para a rede de concessionários. Qualquer fabricante de peça ou
montadora precisa faturar algo em torno de 10% sobre seu custo operacional. Da
mesma forma, o concessionário (ou padeiro, ou dono de loja…) precisa de um
rendimento nessa faixa para seu negócio ser mais interessante do que
simplesmente deixar o dinheiro quietinho numa aplicação. Obviamente a
concessionária não consegue colocar 10% de margem sobre os carros que vende, ou
eles ficariam ainda mais caros do que são. Ela procura faturar mais nas vendas
de peças, acessórios, serviços, e, principalmente, fazendo acordos com os
bancos que financiam os carros, ou com seguradoras. Você abriria uma
concessionária se fosse para faturar menos do que deixando o dinheiro rendendo
num fundo de investimento?
Outro ponto: cada carro tem sua margem de lucro possível, sobretudo num
mercado com tantos competidores. Nos carros pequenos a margem é menor, ganha-se
no volume. Nos carros médios e luxuosos, com maior valor agregado, onde se
vende também a imagem de prestígio, é possível praticar margens maiores. Em
carros recém-lançados, os preços são maiores, mas a fábrica ainda está pagando
pelo custo de desenvolvimento. Nos carros há muito tempo no mercado, o projeto
já se pagou, e é possível lucrar mesmo vendendo com desconto.
Enfim, é complicado analisar os lucros. Em outros ramos do mercado
(computadores, por exemplo), as margens são muito maiores e pouca gente
reclama. O problema dos carros e dos imóveis é que o desembolso é muito maior,
dói mais no bolso.
O fato é que só há três maneiras de fazer os preços caírem. Um é
reduzindo a carga tributária, o que o governo reluta muito em fazer. Só o faz
de vez em quando para estimular a economia e animar o PIB. Para quem não sabe,
a economia brasileira se apoia em um tripé: agronegócio, construção civil e
setor automotivo. Tenha certeza, o governo fará qualquer coisa para não deixar
a peteca cair num desses três setores.
O segundo jeito de fazer os preços caírem é reduzindo a demanda, o que
só acontece em mercados recessivos, como na maioria dos países europeus hoje em
dia. É um cenário que ninguém quer para o Brasil, naturalmente.
A terceira via é estimular a competição. E nisso,
o governo falhou ao aumentar exageradamente a tributação sobre os carros
importados. Sem a concorrência mais efetiva de produtos chineses, coreanos e
outros, as montadoras aqui instaladas conseguiram certo alívio em suas margens.
Que os fabricantes sejam cobrados pela qualidade dos produtos, por
tecnologias de segurança, talvez até por preços um pouco melhores, muito bem!
Mas sem uma série de conjunções favoráveis, os preços nunca cairão
significamente, por mais que as pessoas (justa e legitimamente) protestem nas
poderosas redes sociais.
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