10 de setembro de 2012

Cidade chinesa limita novos carros


  • É tão surpreendente como se Detroit ou Los Angeles restringissem a posse de um veículo.

    O governo municipal de Guangzou, uma metrópole tentacular que também é um dos maiores centros de produção de veículos da China, introduziu leilões e loterias para placas de licenciamento de carros, o que deverá reduzir quase à metade o número de carros novos nas ruas.

    Essa campanha, iniciada na semana passada, é a mais restritiva de uma série de medidas adotadas por grandes cidades chinesas que estão colocando os problemas ligados à qualidade de vida na frente do crescimento econômico a curto prazo, algo que o governo central luta para fazer numa escala nacional.

    A medida pode ajudar a limpar o ar e a água particularmente sujos nas cidades chinesas, reduzir os custos com a saúde a longo prazo e melhorar a qualidade do crescimento chinês. Mas segundo os economistas, estas decisões também estão impondo custos a curto prazo, numa fase em que os dirigentes políticos em Pequim e em todo mundo já mostram preocupação com uma forte desaceleração econômica na China.

    "Naturalmente, do ponto de vista do governo, renunciamos a algum crescimento, mas para conseguir uma saúde melhor para os cidadãos isso vale a pena", disse Chen Haotian, vice-diretor da agência de planejamento urbano de Guangzou.

    Nanjing e Hangzou, no centro-leste da China estão também adotando medidas, exigindo um diesel e uma gasolina mais puros. Cidades próximas da costa, de Dongguan e Shenzhen, a sudoeste da China, até Wuxi e Suzhou, no centro e Pequim ao norte, vêm fechando fábricas que poluem. E Xian e Urumqi, a noroeste do país, estão proibindo e se desfazendo de carros fabricados antes de 2005, quando as normas eram menos rigorosas.

    "Finalmente foi reconhecido que o crescimento a qualquer custo não é sustentável", disse Ben Simpfendorfer, diretor gerente da Silk Road Associates, empresa de consultoria de Hong Kong.

    Enfrentando a pressão pública para dar uma solução para congestionamentos e a poluição, governos municipais de todas as partes da China estão enviando delegações para Guangzou. Mas o governo nacional em Pequim, hesita em impor novas restrições aos carros diante das preocupações manifestadas pelo imenso setor automotivo, disse An Feng, assessor de Pequim de autoridades do ministério dos transportes.

    "Isso se tornou realmente uma batalha", disse An.

    O governo municipal de Pequim passou a limitar a emissão de novas placas no início do ano passado, quando a economia começou a ficar superaquecida. Mas Guangzou é a primeira cidade a impor medidas mesmo numa fase de desaceleração da economia, como neste momento. Diante da insatisfação pública com o tráfego nas ruas, a prefeitura da cidade construiu extensas linhas de Metrô nos últimos anos, juntamente com grandes parques e um renomado teatro de ópera.

    As iniciativas do governo local não são a única causa das dificuldades da economia chinesa. Há um ano o governo também apertou o crédito, uma tentativa para controlar a inflação, mas no processo deixou sem recursos muitas empresas de pequeno e médio porte.

    Outros problemas econômicos vêm se avolumando há anos. Entre eles o excesso de capacidade industrial e o monopólio exercido por muitas empresas estatais, como também a concessão de empréstimos que resultaram ineficazes.

    Crescimento mais lento. Mas no momento o peso dos novos regulamentos sobre as empresas está consolidando a tendência a um crescimento mais lento, afirmam os economistas.

    "É por isso que, na minha opinião, a desaceleração deverá se tornar uma tendência e não só um ciclo de curto prazo", disse Xiao Geng, diretor de pesquisa no Fung Global Institute em Hong Kong.

    As fábricas poluidoras estão sendo expulsas de cidades cada vez mais prósperas a sudoeste da China e rechaçadas pelas mais pobres a oeste e norte do país, a menos que instalem equipamentos caríssimos para controle das emissões, disse Stanley Lau, vice-chairman da Gong Kong Federation of Industries, grupo que representa fabricantes que empregam quase 10 milhões de trabalhadores na China continental.

    "Não existe nenhum indício de que os custos vão diminuir por causa da desaceleração do mercado", afirmou.

    Alguns executivos na China se queixam dos custos crescentes por causa dos novos regulamentos, especialmente porque as novas regras em nível local coincidem com os aumentos nos salários. Críticos da comunidade empresarial dizem que uma desaceleração da economia pode não ser o melhor momento para a China abandonar a corrida desenfreada na direção da prosperidade que marcou as últimas três décadas.

    Mas apesar de as medidas locais limitarem o crescimento a curto prazo, elas fazer parte de uma transição mais ampla. A China não é mais uma economia em desenvolvimentos que adotou um tipo particularmente tosco de capitalismo, continuando comunista no nome. Mas se tornou uma economia industrializada moderna cujos líderes ouvem cada vez mais a opinião pública e buscam equilibrar meio ambiente, o bem-estar social e muitos outros problemas com o crescimento econômico.

    A questão é o quanto sofrimento a curto prazo o país terá de suportar, na forma de crescimento mais lento e custos mais altos, para chegar a uma economia mais equilibrada e sustentável.

    Ma Jun, diretor do Institute of Public and Environmental Affairs, com sede em Pequim, disse que as autoridades locais estão mais interessadas no meio ambiente depois das enormes manifestações no ano passado contra fábricas poluidoras em cidades como Dalian, Shifang e Qidong. Em cada caso, as autoridades locas concordaram em suspender os projetos, ou encerrá-los depois de se tornarem alvos do ridículo local e nacional.

    Bernadette Brennan, advogada no escritório em Pequim do Natural Resources Defense Council, disse que depois de três décadas de experiência na China, observou mudanças no ano passado. Segundo ela, em vez de resistir à pressão, as autoridades municipais passaram a contatar sua entidade buscando orientação sobre como agir para resolver o problema da poluição.

    Dificuldades. Calcular os benefícios ambientais das políticas que vêm sendo adotadas é difícil.

    A dependência financeira dos governos locais na venda de terras arrendadas para novos projetos imobiliários pode limitar a extensão do confronto com as empresas em algumas cidades. Mas os governos municipais também são proprietários de muitas empresas dentro das suas fronteiras, o que faz com que as empresas pensem duas vezes quando se trata de contestar políticas como a que limita a concessão de novas placas de carros.

    "As empresas automotivas são propriedade do governo", disse Chen, dirigindo um Toyota Camry fabricado em Guangzou. "As montadoras precisam obedecer ao governo".

    E acrescentou, "para que precisamos de PIB se não temos saúde?"
  • Fonte: O Estado de S. Paulo/The New York Times/Keith, Bradsher, tradução de Terezinha Martino

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